...Inspirado na Obra do Green Day, em Nova York
NOVA YORK - Luzes apagadas, cortinas fechadas. De repente, aqueles inconfundíveis acordes da abertura de "American idiot", canção do Green Day que dá início ao musical de mesmo nome no teatro Saint James, na Broadway, em Nova York. Não é um espetáculo como tantos que disputam os palcos mais famosos dos EUA. É um show de rock ao extremo, com performances, interpretações e cenários elevados à última potência. Melhor: é um videoclipe de uma hora e meia. Ou um videoclipe que virou um longa num palco? Difícil dizer.
Dirigida pelo premiado Michael Mayer, a ópera-rock pensada e concebida por Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tre Cool (do Green Day) tem enchido as sessões e até as matinês das 14h do simpático teatro da West 45th Street. Na noite em que a Megazine o acompanhou, não faltavam adolescentes ao lado de pais ou avós. Difícil conceber essa cena quando se lê o alerta: "o musical faz farto uso de palavrões e mostra cenas explícitas de uso de drogas". Pois é.
No entanto, o que mais interessa aqui é a música e o legado do Green Day, que se apresenta em outubro no Brasil (após 12 anos!). O resultado é bom. Ótimo. Mayer optou por unir as canções de "American idiot" às do álbum mais recente da banda, "21st century breakdown". Musical e visualmente, o resultado é incrível. Só que a falta de uma narrativa forte, que una com vigor as pontas soltas em cada ato, acaba depondo contra o espetáculo.
Alguém há de dizer: "ahn, as letras são fortes e falam por elas mesmas". E é verdade, mas não custava nada ter uma costurinha mais firme entre as músicas, não é não? E tudo bem: também não se pode acusar o elenco, capitaneado por John Gallagher Jr, de falta de intensidade em cena. O moço, aliás, que já havia faturado um Tony Award por "The spring awakening", chegou a ser indicado ao prêmio novamente este ano por sua performance na pele de Johnny, o vulgo "Jesus of Suburbia" do CD e da peça.
E como Mayer e o próprio Green Day, que participou ativamente da montagem do musical, uniram baladas tipo "Boulevard of broken dreams" e as guitarras de "Holiday" e "Know your enemy"? A solução foi adaptar as músicas a uma trama relativamente simples. No palco, a história contada é a de três amigos de uma cidadezinha no meio do nada, numa "dieta de refrigerante e Ritalina", como diz a letra de "Jesus of Suburbia". Johnny (Gallagher, que já atuou nas três franquias da série "Law and order"), Will (Michael Esper) e Tunny (Stark Sands) sonham sair daquele fim de mundo. Quando estão prestes a conseguir, Will é obrigado a ficar para trás: sua namorada descobre que está grávida.
E é Jimmy quem protagoniza alguns dos melhores momentos musicais de "American idiot", como "St. Jimmy" e "Know your enemy". Já viciado ("querida mamãe, estou me drogando três vezes ao dia", escreve em uma carta fictícia) , Johnny se afasta cada vez mais de seu violão e acaba conhecendo a garota dos seus sonhos, a quem chama de "Whatsername" (algo como "qual é o nome dela?", em português). Interpretada por Rebecca Naomi Jones, dona de uma voz potente e com uma boa pegada no palco, a moça se apaixona. Numa cena das mais fortes, eles simulam sexo e Johnny convence a moça a usar (aparentemente) heroína. Pesado.Johnny e Tunny partem, então, para a cidade grande. Will vira um bebum de sofá. Fora de sua cidade natal, nosso Jesus do subúrbio se sente só - sensação que piora depois que Tunny é convocado para lutar no Iraque. Sem o melhor amigo, Johnny se envolve com uma figura perigosa: St. Jimmy (Tony Vincent, disparado o melhor do elenco, com metade do cabelo raspada, maquiagem e voz com um timbre agressivo), que fornece drogas a desiludidos como o rapaz.
Cansada de ver Johnny a mercê das drogas, a garota decide pular fora da relação, ainda mais depois de ser ameaçada com uma faca pelo namorado. Em um dos momentos mais emocionantes, entra "21 guns", puxada por Whatsername. É de chorar, assim como "Wake me up when September ends".
Outro momento visualmente interessante é ao som de "Extraordinary girl", quando Tunny acorda em um hospital e descobre que perdeu a perna. Christina Sajous, novata na Broadway, é a enfermeira militar que ajuda o cara - e que voa (isso mesmo) vestindo uma burca pelo palco, num arranjo que remete a canções árabes, em um delírio de Tunny.
"American idiot" estreou na Califórnia ano passado, mas só chegou a Nova York em abril. E como é na cidade que os grandes musicais acontecem... Logo depois, o espetáculo levou o Tony de melhor design de cenário e de melhor iluminação. A coreografia, de Steven Hoggett, também merece palmas. E uma banda fica no palco, o tempo todo, tocando as músicas ao vivo. Viu como era mesmo um show de rock?O clima é cada vez mais deprê. No final, provavelmente não resta um sonho a ser perseguido por nenhum dos personagens. Ui. Talvez para amenizar o ar pesado (o musical termina com Johnny recuperado, tentando levar uma vidinha normal, voltando à cidade que sempre odiou, entoando "Whatsername" e se lamentando por ter perdido a garota que mais amou), o elenco volta com violões em punho para cantar o hino "Good riddance (Time of your life"). Fim.
"O álbum 'American idiot' é sobre as perdas das pessoas, em suas vidas e politicamente, e a tentativa delas de achar algo em que possam acreditar. E um cara chamado Michael Mayer entendeu nossa visão perfeitamente, e foi capaz de dar vida a personagens como Jesus of Suburbia e Whatsername", disse Billie Joe na premiação do Tony Awards, no mês passado.
O CD com a versão Broadway das canções, gravado com o Green Day, já foi lançado. Resta saber como "American idiot", o musical, vai ser visto daqui a alguns anos. Para o Green Day, é o retrato de uma geração.